03 outubro 2010

276. Sonhos

"Sonhos", de Peninha" (disco Sonhos, 1977), é uma mensagem de amor que quer ser lida no rosto de quem a ouve: o outro que se apaixonou, inesperadamente, por outra pessoa. O sujeito canta o movimento que, se outrora aconteceu com ele mesmo - a paixão - agora acontece com o outro: seu objeto de desejo, mas para um terceiro elemento.
A ciranda de indivíduos, no jogo amoroso, acontece de forma tão inesperada, quanto o imprevisto surgimento dos sentimentos e sensações. O sujeito canta, porém, o fracasso de seu abandono-de-si, para o outro. Cobra, apesar de dizer que não há revolta em sua fala, o investimento feito.
Digo isso porque, basta ouvir o volume aumentado (pela presença de um coro e da pegada na percussão), enquanto ele diz não ter revolta, para sentir a contradição: algo que vaza e quer agredir o outro, a fim de purgar a dor do sujeito.
Não é para menos, afinal, quando, finalmente, ele encontrou alguém que fez a vida ter algum sentido - "quando a canção se fez mais forte e mais sentida", ou seja, quando ele se deixou, involuntariamente (despido do automatismo cotidiano) mergulhar no mar dos sonhos - o outro (sereia que lhe canta a vida: lhe restitui o "eu") fala da paixão por outro.
Nós, ouvintes, criamos rápida empatia com este sujeito, pois percebemos a inutilidade (a falta de sentido e o absurdo) da existência, fora do mar do amor. Alguma coisa que só no campo do interdito, vem à tona em nós: a fugacidade da alegria.
Além disso, o sujeito revela, sem grilos e com coragem, já que isso é coisa da qual muitos de nós nos envergonhamos de dizer, que sempre sonhou com o amor - com alguém que lhe mostrasse o caminho a seguir.
Pena que, quando o sonho parece ganhar solidez; quando o "mundo era mais mundo"; quando ficção e realidade roçaram, a imagem plasmada se dissolve e se perde nas ondas do mar (sagrado) das paixões, novamente.
Sem contradição, podemos pensar que o desejo de ver o outro "se encontrar", como aconteceu com ele próprio, através do outro, mostra a transformação (sentida) que o amor promove: a liberdade que conferimos ao outro. Apesar da cruel e bela anotação: "saudade até que é bom, é melhor que caminhar vazio", que dispara a circularidade (o eterno retorno, em diferença) da vida.

***

Sonhos
(Peninha)

Tudo era apenas uma brincadeira
E foi crescendo, crescendo, me absorvendo
E de repente eu me vi assim completamente seu
Vi a minha força amarrada no seu passo
Vi que sem você não tem caminho, eu não me acho
Vi um grande amor gritar dentro de mim como eu sonhei um dia

Quando o meu mundo era mais mundo
E todo mundo admitia
Um mudança muito estranha
Mais pureza, mais carinho, mais calma, mais alegria
No meu jeito de me dar
Quando a canção se fez mais forte e mais sentida
Quando a poesia fez folia em minha vida
Você veio me contar dessa paixão inesperada
Por outra pessoa

Mas não tem revolta, não
Eu só quero que você se encontre
Ter saudade até que é bom
É melhor que caminhar vazio
A esperança é um dom
Que eu tenho em mim
Eu tenho sim
Não tem desespero não
Você me ensinou milhões de coisas
Tenho um sonho em minhas mãos
Amanhã será um novo dia
Certamente eu vou ser mais feliz

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