30 agosto 2010

242. Soneto do teu corpo

O soneto é um poema de estrutura fixa - 14 versos: em geral, distribuídos em 2 quartetos (estrofes de 4 versos) e 2 tercetos (estrofes de 3 versos). A métrica (número de sílabas poéticas) é rigorosa: em geral, usa-se o decassílabo (verso com 10 sílabas poéticas).
Jogando-se com o posicionamento das sílabas fortes, o decassílabo (classificado em heróico - sílabas tônicas nas posições 6 e 10 - ou sáfico - sílabas tônicas nas posições 4, 8 e 10) ajuda a construir a sonoridade típica do soneto.
A história conta que o soneto teria sido criado no início do século XIII: as famosas baladas provençais - letra escrita para ser cantada. O fato é, pelo rigor da forma fixa, o soneto era mais facilmente "decorado". Em tempos de pouquísima escrita, em que a voz era a guardadora dos textos, isso tem grande valia.
Este lampejo de teoria serve para pensarmos a canção "Soneto do teu corpo", de Moska e Leoni. Já cantada por Mart'nália e pelo próprio Leoni, "Soneto do teu corpo" está no disco Muito Pouco (2010), de Moska. O sujeito da canção encontra na forma do soneto o meio de expressar, registrar e eternizar seu desejo.
Os versos proliferam e desenham filigranas da figura do objeto de desejo. Cada verso, assim como a língua do poeta/cantor, lambe uma parte do outro. A promessa de paixão eterna, feita pelo sujeito atravessando a letra com metáforas eróticas, impregna no destinatário: inebria e atinge o alvo.
A imagem do indivíduo perdido (solto) no mundo (sem mapas, nem bagagens: (pre)conceitos - tudo novo, de novo), contrasta com o desejo de ficar (infinitamente) dentro do outro: no ouvido do outro. Os tercetos, aliás, adensam isso, ao mostrar rimas confusas alheias à imposição formal do soneto. Temos, assim, um sujeito livre, mas com desejo de "prisão" no corpo do outro.
Ele quer, e se perde: perde a orientação estrutural. Basta observar como os tercetos são montados e cantados: suas repetições infinitas; suas (quase) não rimas. Rimas internas, como o mergulho sinestésico do sujeito no corpo alheio. Vassalo, ele começa beijando os pés para conquistar o corpo todo.
O tempo e o espaço ficam em suspensão: sol e lua, o corpo alheio é tudo, ou nada. A língua (a voz) do sujeito entra (atrás, na frente, em cima, em baixo) e percorre; morde e lambe; penetra bosques, sorve rios. Queima e acende de desejo: a folia dos dois não tem descanso.

***

Soneto do teu corpo
(Leoni / Moska)

Juro beijar teu corpo sem descanso
Como quem sai sem rumo prá viagem.
Vou te cruzar sem mapa nem bagagem,
Quero inventar a estrada enquanto avanço.

Beijo teus pés, me perco entre teus dedos.
Luzes ao norte, pernas são estradas
Onde meus lábios correm a madrugada
Pra de manhã chegar aos teus segredos.

Como em teus bosques. bebo nos teus rios.
Entre teus montes, vales escondidos.
Faço fogueiras, choro, canto e danço.

Línguas de lua varrem tua nuca.
Línguas de sol percorrem tuas ruas.
Juro beijar teu corpo sem descanso.

2 comentários:

  1. Amo.Parabéns pelo blogue, muito bom.

    Um beijo

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  2. Davino,gostei imenso da tua idéia e já fui conferir q música vc ouviu no dia do meu niver, q foi agora. Como boa leonina, adorei!!" MANJAR DE REIS". É tudo q eu mereço! rsrsrs...Parabéns.

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