14 agosto 2010

226. Tereza da praia

O disco (ao vivo) Roberto Carlos e Caetano Veloso e a música de Tom Jobim (2008) é um delicioso ménage à trois: Tom e a Bossa Nova, Roberto e a Jovem Guarda e Caetano e a Tropicália - tudo junto e misturado. O show, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, foi um deslumbre.
É uma experiência boa ver e ouvir Caetano cantar “Caminho de pedra”, o quase aboio de Tom, que já teve um primoroso registro na voz de Elizeth Cardoso; ou "Ligia", na voz de Roberto, por exemplo.
O encontro dos dois no registro de "Tereza da praia”, de Tom Jobim e Billy Blanco, fazendo com graça (brejeira) o diálogo dos amigos que se descobrem apaixonados pela mesma mulher, dá a dimensão da canção que se abre para dentro de si: o embate (interno) entre dois compositores que disputam a mesma musa.
O ouvinte se embriaga com a querela (afetiva) entre os sujeitos, ao som de um balanço bossa nova gostoso à caminho do mar.
Os dois tentam cantá-la, cada um a seu modo, e partindo das relações que existem entre si e a musa: a Tereza (da praia). Imitando, de viés, um desafio nordestino, mas com o investimento na malemolência, os dois sujeitos glosam o mote "Tereza da praia", a fim de melhor cantar a delícia de "ter" esta mulher.
No entanto, na medida em que cada um vai descrevendo a mulher (deusa), eles percebem que as descrições confluem para o mesmo significado (sentido): ela, Tereza - amada por todos, mas de ninguém. Sereia, ela encanta os poetas-cancionistas mas não se deixa dominar, pelo contrário.
Podemos entreouvir um sussurro interna à fala da cada sujeito que diz: "Estou amando loucamente a namoradinha de um amigo meu". O problema é que, da praia (espaço onde as sereias brincam com o desejo dos desavisados), Tereza não é de ninguém: nem de um (Roberto), nem de outro (Caetano) qualquer. Ela é a musa (motivo) da canção: eis a cruel (mas brasileiramente bem aceita) conclusão a que chegam os cantores.
Nomear o objeto (de desejo) é perder o objeto. Enquanto cada sujeito tinha a musa só para si, cantando-a individualmente, ela era (inteira) de cada um. Porém, ao nomeá-la (e descrevê-la) eles descobrem o inevitável: ela escorregou em um raio de sol (ou de luar) e voltou para seu lugar - o mar. Ou melhor, a praia onde, com sua pele morena e olhos verdinhos (musa híbrida), eles terão que dividi-la com outros encantados.
Sereia-mulher-musa (com olhos que refletem a cor do mar), Tereza é para ser cantada, namorada. Os poetas se iludem na fã vontade de tê-la para si. Para depois concluírem: "Então vamos a Tereza da praia deixar aos beijos do sol e abraços do mar. Teresa é da praia, não é de ninguém".

***

Tereza da praia
(Antonio Carlos Jobim / Billy Blanco)

Roberto: Caetano

Caetano: Sim

Roberto: Arranjei novo amor no Leblon
Que corpo bonito
Que pele morena
Que amor de pequena
Amar é tão bom

Caetano: Tão bom, Roberto

Roberto: Diga lá bicho

Caetano: Ela tem um nariz levantado
Os olhos verdinhos
Bastante puxados
Cabelo castanho

Roberto: E uma pinta do lado

Caetano: É a minha Tereza da praia

Roberto: Se ela é tua, ela é minha também

Caetano: O verão passou todo comigo

Roberto: O inverno, pergunta com quem

OS DOIS: Então vamos
A Tereza da praia deixar
Aos beijos do sol
E abraços do mar
Teresa é da praia
Não é de ninguém

Roberto: Não pode ser tua

Caetano: Nem tua também
É.
Essa Tereza a gente tem que olhar direitinho né
por que tá
Tem que pensar muito
Ela é a minha Tereza da praia

Roberto: Se ela é tua, ela é minha também

Caetano: O verão passou todo comigo

Roberto: Mas o inverno, pergunta com quem

OS DOIS: Então vamos
A Tereza da praia deixar
Aos beijos do sol
E abraços do mar
Tereza é da praia

Caetano: Não é de ninguém

Roberto: Não pode ser tua

Caetano: Nem minha também

OS DOIS: Tereza é da praia, não é de ninguém

Um comentário:

  1. Roberto carlos cantando bossa nova ou MPB que seja,me parece deslocado,sua praia é outra.

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