Caetano Veloso (em Sobre as letras) comenta que "A voz do morto" lhe foi "ditada por Aracy de Almeida". Conta o compositor: "Ela estava em São Paulo para fazer a Bienal do Samba (...) e estava muito irritada com a ideologia em torno daquilo. Ela veio falar comigo: 'Pô, me tratar como Glória nacional pensando que vão me salvar? (...) Quero que você faça um samba, porque você é que é o verdadeiro Noel, porque você é violento, você é novo!".
Aracy de Almeida, considerada uma das melhores intérpretes dos sambas de Noel Rosa, ditou o samba, Caetano fez a música, ela adorou (pois denunciava o fato de Aracy está de "saco cheio desse negócio de Noel Rosa", de ter que "arrastar esse morto pelo resto da vida") e gravou - Bienal do samba (1968).
O sentido (o significado) da canção de Caetano Veloso está tensionado no título: "A voz do morto" é uma paródia de "A voz do morro". O objeto, em ambas, é o samba: glória nacional.
O sujeito de "A voz do morto" denuncia que eles (a patrulha ideológica) querem salvar o samba. Ou seja, mante-lo a salvo das funestas influências. Coitados, eles esquecem que preservar cegamente uma cultura, ou simplesmente desprezá-la em um museu, é uma perversão, em um país tão diverso quanto o Brasil.
A mistura de elementos (ouro, prata, filó de nylon) indicia a justaposição e a bricolagem de versos (significantes), extraídos de canções de Noel Rosa (e de sambas canônicos), que ouvimos proliferados ao longo de "A voz do morto". Mas também apontam a hibridação daquilo que é o samba brasileiro: ouro e filó de nylon: tudo junto e misturado agora.
"Deus está morto" - acusou Nietzsche, apontando a perda de Deus no turbilhão de zelos das religiões. Bem como lançando aos indivíduos a responsabilidade sobre suas vidas. "A voz do morto" (da defunta voz ou da voz defunta?) vem (do além) mostrar sua força insofismável.
A voz da canção (a voz do samba: morto pelo excesso de zelo) nega esta proteção que lhe sufoca. Essa voz é alegre. Ela sabe do poder da mestiçagem parabólica ambulante do Brasil. Os signos filigranados ao longo da letra tentam condensar a pluralidade de ritmos que resultam em samba. O rock não fica de fora: "Eu sou terrível" é recolhido dos versos da Jovem Guarda ("opositora" daqueles que queriam salvaguardar as glórias nacionais).
Este gesto de ir contra a "patrulha ideológica" impõe à voz do morto a condição de marginalizado. Porém, no Brasil, o samba (a alegria) é o deus que não discrimina, ao contrário, agrega, na festa da afirmação da existência, todos os seus "seguidores": o folião (o indivíduo errante, pelo mundo). Ao invés de prender, este deus, solta a gente.
"Na Glória!" - exaltação também recolhida de Noel - coroa este samba (brasileiro) que tem Jesus de Nazaré e os tambores do candomblé: apontando o Brasil como vértice da "paz do mundo", como o sábio Jorge Mautner defende.
Aracy de Almeida, considerada uma das melhores intérpretes dos sambas de Noel Rosa, ditou o samba, Caetano fez a música, ela adorou (pois denunciava o fato de Aracy está de "saco cheio desse negócio de Noel Rosa", de ter que "arrastar esse morto pelo resto da vida") e gravou - Bienal do samba (1968).
O sentido (o significado) da canção de Caetano Veloso está tensionado no título: "A voz do morto" é uma paródia de "A voz do morro". O objeto, em ambas, é o samba: glória nacional.
O sujeito de "A voz do morto" denuncia que eles (a patrulha ideológica) querem salvar o samba. Ou seja, mante-lo a salvo das funestas influências. Coitados, eles esquecem que preservar cegamente uma cultura, ou simplesmente desprezá-la em um museu, é uma perversão, em um país tão diverso quanto o Brasil.
A mistura de elementos (ouro, prata, filó de nylon) indicia a justaposição e a bricolagem de versos (significantes), extraídos de canções de Noel Rosa (e de sambas canônicos), que ouvimos proliferados ao longo de "A voz do morto". Mas também apontam a hibridação daquilo que é o samba brasileiro: ouro e filó de nylon: tudo junto e misturado agora.
"Deus está morto" - acusou Nietzsche, apontando a perda de Deus no turbilhão de zelos das religiões. Bem como lançando aos indivíduos a responsabilidade sobre suas vidas. "A voz do morto" (da defunta voz ou da voz defunta?) vem (do além) mostrar sua força insofismável.
A voz da canção (a voz do samba: morto pelo excesso de zelo) nega esta proteção que lhe sufoca. Essa voz é alegre. Ela sabe do poder da mestiçagem parabólica ambulante do Brasil. Os signos filigranados ao longo da letra tentam condensar a pluralidade de ritmos que resultam em samba. O rock não fica de fora: "Eu sou terrível" é recolhido dos versos da Jovem Guarda ("opositora" daqueles que queriam salvaguardar as glórias nacionais).
Este gesto de ir contra a "patrulha ideológica" impõe à voz do morto a condição de marginalizado. Porém, no Brasil, o samba (a alegria) é o deus que não discrimina, ao contrário, agrega, na festa da afirmação da existência, todos os seus "seguidores": o folião (o indivíduo errante, pelo mundo). Ao invés de prender, este deus, solta a gente.
"Na Glória!" - exaltação também recolhida de Noel - coroa este samba (brasileiro) que tem Jesus de Nazaré e os tambores do candomblé: apontando o Brasil como vértice da "paz do mundo", como o sábio Jorge Mautner defende.
***
A voz do morto
(Caetano Veloso)
Estamos aqui no tablado
feito de ouro e prata
e filó de nylon
Eles querem salvar as glórias nacionais
As glórias nacionais, coitados
Ninguém me salva
ninguém me engana
Eu sou alegre
Eu sou contente
Eu sou cigana
Eu sou terrível
Eu sou o samba
A voz do morto
Os pés do torto
O cais do porto
A vez do louco
A paz do mundo
Na Glória!
Eu canto com o mundo que roda
Eu e o Paulinho da Viola
Viva o Paulinho da Viola!
Eu canto com o mundo que roda
Mesmo do lado de fora
Mesmo que eu cante agora
Ninguém me atende
Ninguém me chama
Mas ninguém me prende
Ninguém me engana
Eu sou valente
Eu sou o samba
A voz do morto
Atrás do muro
A vez de tudo
A paz do mundo
Na Glória!
(Caetano Veloso)
Estamos aqui no tablado
feito de ouro e prata
e filó de nylon
Eles querem salvar as glórias nacionais
As glórias nacionais, coitados
Ninguém me salva
ninguém me engana
Eu sou alegre
Eu sou contente
Eu sou cigana
Eu sou terrível
Eu sou o samba
A voz do morto
Os pés do torto
O cais do porto
A vez do louco
A paz do mundo
Na Glória!
Eu canto com o mundo que roda
Eu e o Paulinho da Viola
Viva o Paulinho da Viola!
Eu canto com o mundo que roda
Mesmo do lado de fora
Mesmo que eu cante agora
Ninguém me atende
Ninguém me chama
Mas ninguém me prende
Ninguém me engana
Eu sou valente
Eu sou o samba
A voz do morto
Atrás do muro
A vez de tudo
A paz do mundo
Na Glória!
muito interessante a história que envolve o nascimento desta canção,não conhecia.
ResponderExcluirLetra e música são perfeitas e a inspiração dela confere o grau de bem imaterial, patrimônio poético do gênero.
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